Antes
de mais nada temos que compreender o que a palavra preconceito guarda em sua
etimologia, pois o disseminar dela durante as relações sociais de nosso
contexto tomou um sentido totalmente pejorativo, influenciado pelo
sensacionalismo de algumas campanhas e de algumas situações onde a
discriminação e rejeição - seja ela étnica, cultural ou de qualquer outra
natureza - causaram danos as pessoas atingidas.
Pré-conceito:
formular um conceito antecipado, uma análise precipitada da situação, objeto ou
pessoa de acordo com as ideias que já possuímos.
Não
discordando da verdade que existe no preconceito - a realidade do lado negativo
que se alicia ao desprezo e rejeição - o preconceito em si não é algo ruim, e é
claramente algo natural e intrínseco ao homem.
Alguns
exemplos simples para ilustrar o que estou dizendo são: a própria filosofia e
seu "espanto" ou "admiração", que se depara com o desconhecido
e tendo em mãos o que já conhece estabelece de antemão uma conceituação; ou as
ciências ao estudar um fenômeno age da mesma maneira, e ao vê-lo pela primeira
vez, tenta fazer ligações com as leis, regras e teorias já conhecidas; o senso comum, onde, no contato com o
desconhecido, o comparamos a algo já familiar para lhe atribuir um sentido,
mesmo que seja de modo precipitado: ora, quem um dia não teve tal atitude de
deparar-se com o novo e formular um significado para o conceito antes mesmo de
conhecê-lo?
Mas
isso ainda não nos garante que o preconceito é de fato algo intrínseco ao
homem, pois só garante talvez que isso seja um costume ou hábito muito
disseminado que pode ser superado. Então lá vamos nós as formalidades - e como
eu as amo e ao mesmo tempo as odeio!
Moscovici,
autor de "Representações Sociais, investigação em psicologia social"
(muito bom e recomendo a sociólogos, psicólogos, filósofos e historiados que
gostem de ler Paul Ricouer), apresenta em um capítulo de seu trabalho - capítulo
intitulado "O Familiar e o Não Familiar" - alguns fatores que
explanam o porque do preconceito e como ele é intrínseco ao homem.
O
autor quando aborda esse capítulo mostra que nas relações os indivíduos, ou um
grupo determinado, ao ter contato com o novo - o não familiar - tende a
estranhá-lo e, assim, o que não é familiar e que difere da realidade daquela
pessoa, ou grupo, passa a não participar de suas convenções e ultrapassa os
limites do que é interessante, não dizendo respeito a praticidade nenhuma.
Trocando em miúdos: isso o torna algo irreal ante a realidade da pessoa, ou
grupo.
Mas
esse irreal não é algo estático, e sim, muitas vezes, algo que gera incômodo:
“É desse modo que os doentes mentais,
ou as pessoas que pertencem a outras culturas, nos incomodam, pois estas
pessoas são como nós e contudo não são como nós; assim podemos dizer que eles
são ‘sem cultura’, ‘bárbaros’, ‘irracionais’ etc. (...) todos os que foram
exilados das fronteiras concretas de nosso universo possuem sempre
características imaginárias; e pré-ocupam e incomodam exatamente porque estão
aqui, sem estar aqui; eles são percebidos, sem ser percebidos; sua irrealidade
se torna aparente quando estamos em sua presença.”
(MOSCOVICI, 2011, P.56)
Pensemos então: quando vemos que o
não familiar se torna algo irreal ao grupo, não como desprezo, mas como não
pertencente a realidade do grupo, vemos o processo da “admiração” ou “espanto”,
o contato com o novo. Usando da citação acima podemos perceber o que seria aí,
talvez, a gênese do preconceito “negativo”, como forma de exclusão. Mas o que
explicaria o formulação de uma concepção antecipada que de um sentido ao novo?
A resposta é um novo conceito que Moscovici introduz: a re-apresentação.
A re-apresentação é um processo que
age dando um novo significado aquilo que não o possui dentro do grupo, ou seja,
torna familiar aquilo que ainda não o é. Tomemos por exemplo a seguinte
situação apresentada por Moscovici:
Um grupo toma contato pela primeira
vez com o conceito psicanálise. Esse conceito, não familiar ao grupo, é uma
irrealidade para eles, vazio de sentido. Para tornar esse conceito familiar e
com um sentido para o grupo usa-se da re-apresentação: a psicanálise é
comparada a uma confissão religiosa, e, assim, ela passa a ser nesse grupo uma “espécie
de confissão”.
O processo de re-apresentação não é
uma mera analogia, mas fixa o conceito em algo “similar” já conhecido pelo
grupo, proporcionando assim a familiarização de conceitos. É uma junção real e
uma mudança de valores e sentidos extremamente significativa: o conceito até
então não familiar e vazio de sentido toma a realidade e contexto do grupo, que
o adequa ao seu “mundo”.
Assim o processo de tornar o não
familiar, familiar, acaba apenas retornando a uma ideia já conhecida pelo
grupo, a uma imagem já presente em sua realidade, não havendo um real envolvimento
e uma real compreensão do novo. Não se compreende o conceito em seu contexto,
mas dá-se sentido a ele a partir do próprio contexto do grupo em que o conceito
não é familiar.
Talvez esteja aí a gênese do
pré-conceito e do preconceito (negativo), ao analisar o novo e dar a ele
significado através da nossa própria realidade, deixando de lado a realidade
onde o conceito nasceu e o significado que ele realmente possui.
Entende-se que o processo de tornar o não familiar, familiar, se dá no que Moscovici chama de Universo Consensual, ou seja, as relações nos clubes, salões, bares, rodas de amigos e conversas informais, longe do Universo Reificado como a ciência e as linguagens próprias e pré-estabelecidas.
MOSCOVICI, S. "Representações Sociais - Investigação em Psicologia Social". 8ª ed. Vozes: Rio de Janeiro. 2011.
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